Foi um ataque químico com gás sarin", diz ex-inspetor das Nações Unidas Em entrevista ao Expresso, o antigo inspector-chefe da ONU David Kay explica que a tecnologia permitiu que as primeiras informações da investigação ao ataque químico na Síria fossem enviadas "na hora" e a "partir do local". Ricardo Lourenço, correspondente nos EUA 9:18 Sábado, 31 de agosto de 2013 AFP/Getty Images "A Síria tem um dos maiores arsenais químicos do mundo, totalmente 'Made in Russia'", afirma David Kay 6 88 215 TEXTO A A Imprimir Enviar David Kay foi o inspector das Nações Unidas que liderou a investigação no Iraque. Posteriormente, numa outra missão patrocinada pela CIA e pelo Pentágono, entre 2003 e 2004, já depois da invasão deste país do Médio Oriente, Kay desmentiu a existência das armas de destruição massiva e foi afastado. Em entrevista exclusiva ao Expresso, no âmbito de um trabalho publicado esta semana, na edição impressa, sobre a resposta militar americana ao alegado ataque químico na Síria, conta como se processa uma investigação no terreno. Os investigadores da ONU que estão na Síria vão à procura do quê? Eles começaram por procurar restos de bombas e "rockets". Entrevistaram testemunhas, recolheram amostras do solo e de edifícios, como pedaços de portas e janelas. Tudo de forma sistemática e com recurso à tecnologia de hoje, que facilita o trabalho. Nada pode ser negligenciado, até o chão das urgências é analisado e conduzem-se autópsias aos corpos das vítimas, uma tarefa nada simpática. Nas entrevistas com os médicos vamos à procura das reacções dos pacientes. Há risco das provas terem sido destruídas? Não é a situação ideal, visto que existiram bombardeamentos posteriores, mas sabemos, perfeitamente, o processo de decomposição do gás sarin, por isso é uma questão de verificar se esse material existe. Se sim, é caso para dizer que existiu ataque com gás sarin. Já há conclusões? Sim. Mas as mais rigorosas são levadas a cabo em laboratório, um processo que demora entre cinco a sete dias. Os inspectores já sabem o que se passou? Sim. Foi um ataque químico com gás sarin. Recordo que a Síria tem um dos maiores arsenais químicos do mundo, totalmente "Made in Russia", que foi comprado em reacção ao programa nuclear israelita. Um arsenal esmagadoramente composto por gás sarin. Os serviços secretos americanos garantem que há pedaços de explosivos de grandes dimensões no local. Isso é uma excelente notícia, pois facilita a recolha de provas. Se calhar usaram gás a mais e explosivos a menos. Que tipo de acesso existe nestas situações? (Risos) A situação é muito difícil pois ainda existem combates e as áreas estão controladas por grupos diferentes, cada um com atitudes e comportamentos diferentes. É muito desgastante, nem queira imaginar. Imagina um ataque americano com os investigadores da ONU ainda na Síria? As informações publicadas na imprensa americana sobre um ataque durante a semana foram irresponsáveis, porque quem está no terreno, com ameaças locais permanentes ainda tem de lidar com a pressão das notícias sobre uma ofensiva a qualquer altura. No Iraque fomos retirados dois dias antes do ataque em 2003. Recordo-me que quando chegávamos a Bagdade havia sempre alívio por parte dos generais iraquianos, pois sabiam que enquanto estivéssemos por lá não haveria nenhum ataque. Que tipos de pressões existem? No Iraque colocavam pelotões de fuzilamento a disparar às três da manhã para nos intimidar. Numa outra ocasião, depois de obtermos documentos importantes em Bagdade, quando o nosso avião se preparava para levantar voo, os militares iraquianos colocaram um camião de combustível no meio da pista. Valeu-nos a perícia do piloto. Foi por um triz. Houve um dia em que andaram à minha procura para me deter e acabaram por agredir um jornalista da CNN, julgando que era eu. Ele tinha a mesma altura, daí a confusão. Falou do papel da tecnologia. Que tipo de ferramentas existem hoje que tornam o trabalho mais fácil e as conclusões mais rápidas de obter? Hoje toda a gente tem telefones com câmara e que revelam as coordenadas geográficas. No Iraque, só ao fim da terceira inspecção é que levámos câmara digital. Eram muito caras (11 mil euros), pesadas e tinham menos definição do que um iPhone. Os "kits" de análise química pareciam tijolos. Pesados e menos eficazes, com baterias que se esgotavam ao fim de algumas horas. Hoje esses "kits" cabem no bolso das calças e permitem análise local e envio imediato de dados. Recolhemos sempre três amostras, uma para ser analisada na altura, outra para ser vista em laboratório e uma terceira que serve de tira-teimas caso existam incongruências entre as duas primeiras amostras. Todo as amostras são colocadas em pequenos tubos de vidro, identificados com um rótulo. Uma dificuldade que os meus colegas têm, e que eu não tive, é que não existe um laboratório disponível na Síria. Em Bagdade tínhamos um. O material será levado para um laboratório europeu ou irá directamente para Nova Iorque.
0 comments:
Post a Comment